domingo, 20 de abril de 2008

Pacíficos e Passivos

A passividade é um fenômeno que está dentro do nevoeiro da pós-modernidade, e que se deve combater, sem passividade!

Percebe-se, entre o senso comum, que existe uma grande confusão entre os qualificativos ‘pacífico’ e ‘passivo’. Nesse sentido, é importante nos darmos conta de que Mahatma Gandhi e outros que lutaram ativamente pela defesa dos direitos humanos, como Martin Luther King, foram pacíficos; jamais passivos!

Nas situações de protesto, por exemplo, o pacífico se caracteriza pela não recorrência à violência; já o passivo, geralmente ‘não protesta’: ele opta por anuir e consentir, mesmo sem concordar com alguma coisa, pactuando-se com os demais, e escondendo-se atrás do “consenso” (outra palavra que, hoje, é confundida com ‘espírito democrático’ e, em muitas ocasiões, esconde sob uma roupagem "politicamente mais correta" o conformismo ou a passividade.
Sobre isso, vale a pena ler o livro "Dissensões e Consenso", de Serge Moscovici e Willem Doise, 1991, que trata da questão das decisões coletivas).

A passividade caminha muito próxima da ‘covardia’ e da anulação do dever da consciência diante da observação dos fatos e das ações que são necessárias. O passivo prefere ‘não fazer’ (mesmo indo contra à sua consciência, que lhe solicita abraçar uma causa ou um dever moral), do que ‘fazer e correr riscos’. Assim, ele passa a compactuar com a mediocridade das massas e ser cúmplice do status quo, sendo que, para isso, aceita brigar com a sua própria consciência, que nunca mais o deixará em paz, nem por um segundo, e o consumirá aos poucos.

O passivo prefere o anonimato, que o deixa momentaneamente confortável e imune às críticas e oposições. Para isso, prefere manifestar-se evitando frases diretas que possam demonstrar que a opinião é sua. Assim, usam expressões do tipo:

dizem que...”,
ouvi dizer...”, ou
alguém me contou...”.

Covardia, diga-se de passagem, muito própria de indivíduos que, tanto são desprovidos de individualidade, diluindo a sua responsabilidade em um todo não identificável (os famigerados ‘grupos’ ou ‘colegiados’), como não respeitam essa mesma individualidade, tendenciosamente, reunindo-se em matilhas e alcatéias para atacar alguém que julgam “inconveniente”, ou mesmo “perigoso” por se assumir como um ser único, identificável pelos seus traços distintivos assumidos de forma clara e inequívoca.

De fato, os grupelhos pusilânimes esquecem-se de que há indivíduos cuja força de espírito vale mais do que milhares de covardes escondidos atrás das desculpas, do conforto momentâneo, do (aparente) descaso, da opção pela passividade. Aqui, recorro novamente à Martin Luther King, que dizia:

A verdadeira medida de um homem não é
como ele se comporta em
momentos de conforto e conveniência,
mas como ele se mantém em
tempos de controvérsia e desafio”.

Em outras palavras, o caráter de cada pessoa revela-se não nos bons, mas nos maus momentos, naqueles em que o ego, preocupado somente com a sobrevivência instintiva animalesca, passa a revelar a sua verdadeira essência.

A consciência é, de fato, a maior (e talvez a única) força de atrito diante da covarde e inescrupulosa indolência. É ela que faz uma pessoa soltar as amarras e enfrentar um problema (ou aquilo que considera ultrajante), mesmo que de forma absolutamente solitária.

De fato, é na dificuldade que a nossa essência emerge. Por isso, é justamente nela que vemos quem são os verdadeiramente corajosos e desapegados de seu próprio conforto ou sobrevivência; pois os outros, no primeiro sinal de fumaça, colocam-se à distância.

Seria confortável culpar o pós-modernismo, sem assumir nada. Creio que somos todos responsáveis pelo que sucede com respeito à passividade e à desistência das próprias obrigações.

Necessitaríamos, talvez, lutar por uma sociedade não tão de ‘panelinhas’, onde a noção de individualidade fosse mais respeitada, e onde cada um de nós tivesse bem presente uma capacidade crítica ativa e resistente: uma resistência que começa na individualidade, na relação do indivíduo com ele mesmo, que é então projetada na relação que ele estabelece com os outros.

Finalmente, tenho esperança de que, dentro da capacidade de cada um em distinguir princípios de interesses particulares, a opção passe a ser sempre pelos primeiros. Para isso, devemos inicialmente dizer não a essa enorme diluição das responsabilidades individuais.

É difícil mudar aquilo que já parece estar incrustado na sociedade. Creio, no entanto, que uma gota de água (como este simplório texto) pode não mudar um oceano, mas certamente provocará alguma ondulação, por pequena que seja. E a união de muitas ondulações, então, pode um dia dar origem a uma onda gigante.

Um comentário:

Unknown disse...

Marcos, creio que muito dessa passividade se deve ao excesso de obrigações a que somos submetidos nos tempos modernos. Seguimos um script desde que nascemos. E não nos cabe questioná-lo.

Assim, temos que estudar, aprender as disciplinas padrão, escolher uma profissão e estudar mais para desempenhá-la e conquistar um lugar. Temos sempre obrigações para com conosco mesmos, pra com os pais, amigos, sociedade, "establishment". Estamos sempre competindo, e quando nos damos conta já estamos com vinte e poucos anos e ainda não conquistamos nada, é apenas o começo. Então, sem saber fazer outra coisa a não ser aquilo pro qual fomos doutrinados por décadas, continuamos no mesmo ciclo, sempre buscando uma coisa à frente que nem ao menos sabemos o que é. Um cachorro correndo atrás do próprio rabo, e que no final só consegue cansaço e desnorteamento.

Não nos sobra tempo pra refletir, pensar no proximo passo. "Imagine chegar aos 18 anos sem saber o que quer da vida!", "Imagine perder um ano pensando, enquanto minha galera já está no primeiro ano!". Pensar demais é perda de tempo e o ócio é nefasto.

Deste modo cumprimos nossa obrigação e vemos a vida passar na TV. Somos espectadores dela, mas não percebemos que somos também personagens e que existe alguém dirigindo. Se percebêssemos nossa função como atores talvez vislumbrássemos a possibilidade de sermos diretores e autores e deixar de apenas cumprir um papel, um script, passando a escrever o próprio texto, a própria história, original e única...