sábado, 18 de dezembro de 2010

O que eu faço para viver?

Ontem, uma pessoa me perguntou o que eu fazia na vida.

Respondi que eu APRENDIA.

A pessoa sorriu, pensando que eu não havia entendido a pergunta; e insistiu: - " Mas que trabalho você faz?", questionou ela.

Respondi novamente que eu aprendia. E expliquei que sou movido a aprender, que a maior parte do meu tempo ativo é usada por mim para aprender: principalmente através de ler e ouvir os outros... Aprendendo, sempre aprendendo!

As pessoas normalmente acham que o principal no trabalho é fazer. E se enchem de uma infinidade de tarefas a serem realizadas. E o tempo passa, e o mundo muda, e mais rapidamente do que elas possam imaginar já estão fazendo coisas ultrapassadas. Concentraram-se em fazer, deixando de lado o aprender.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Choque de Gestão


Marcos de Lacerda Pessoa
Paulo Roberto Luccas



(I) o caminho é "LER"



Fala-se muito em Choque de Gestão, mas o termo carece de maior discussão, considerando-se particularmente este fato: o que funcionou no passado pode não mais se recomendar nos dias de hoje.

Há quarenta anos, Alvin Toffler propunha em sua obra “O choque do futuro” uma reflexão sobre a aceleração das mudanças, falando do progressivo desequilíbrio que viveríamos entre as situações que nos são familiares e as que serão novas, desconhecidas.

De lá para cá, muitas outras obras foram escritas sobre o assunto, várias tecnologias inovadoras foram incorporadas ao nosso cotidiano, mas a reflexão necessária sobre o equilíbrio entre o transitório e o perene parece ter sido esquecida. Evoluímos muito nas novidades e inovações tecnológicas nestes últimos quarenta anos, mas temos a impressão de que houve uma regressão naquilo que é fundamental, no que fica, nas coisas que são essenciais ao homem: os seus valores e a sua felicidade. Na realidade, vivemos hoje numa imensa crise de valores, como declarou o Papa João Paulo II. Cada vez mais perdemos o senso da fraternidade universal de todos os homens, cada vez mais nos tornamos lobos uns para os outros, na formulação de Hobbes.

Propomos iniciar aqui um conjunto de reflexões que nos levem a considerar a necessidade de recuperar o equilíbrio vital de uma sociedade que dá passos largos em suas inovações tecnológicas, mas parece regredir em seus valores mais essenciais. Sob o título geral “Choque de Gestão”, pretendemos analisar, num conjunto de cinco artigos, o impacto de uma proposta que priorize a condição humana sobre o processo produtivo, oferecendo uma alternativa. Esta - valendo-se dos avanços tecnológicos, sobretudo das redes de telecomunicações, - poderá desenvolver novas lideranças e novos empreendedores, elementos-chave para o progresso que se fará sempre mais necessário daqui para frente. Chamaremos a esse caminho de “LER” – desenvolvimento da Liderança e do Empreendedorismo através das Redes.

A ideia de “choque” se explica pela necessidade de romper a letargia com que estamos tratando o desenvolvimento humano, tanto em nossas organizações como na sociedade de uma forma geral. Nesse sentido, cabe-nos enfatizar que o foco nas pessoas não pode ser simplesmente uma peça de marketing, mas deve ser uma opção consciente e esclarecida de quem deseja um mundo sustentável e uma vida que tenha significado. Precisamos romper com os conceitos pasteurizados de produção em massa que os atuais sistemas de gestão impuseram como universais nas últimas décadas. Essa pasteurização pode ter feito mais produtivo o profissional, mas definitivamente não garantiu sua felicidade enquanto homem. Não pode inovar quem é incapaz de contemplar o bem que faz.

Sem tirar o mérito daquilo que fez história, é preciso olhar para frente, que no caso humano significa olhar para dentro. O atual sistema começa a dar sinais de exaustão, sendo certo que não suportaremos mais quarenta anos no mesmo ritmo, se não for alterada sua condução. Novas formas de pensar e viver precisam ser consideradas, não só em benefício da sustentabilidade das empresas e do planeta, como a favor do próprio sentido que se dá à vida. Nossas escolas e empresas estão cheias de especialistas capazes de ensinar como vender bem produtos e serviços, mas vazias da discussão daquilo que é essencial. Em nossas universidades, multiplicam-se os cursos, cada vez mais segmentados e especializados, mas perde-se a visão global, aquela visão universal do conhecimento humano que se exprimia na Universitas medieval, raiz da qual brotaram as instituições universitárias de todo o mundo.

Nessa empreitada os especialistas somos nós, os homens e mulheres de bem, que - no papel de pais, mestres, dirigentes, governantes e cidadãos comuns - devemos assumir a missão de contribuir para um futuro melhor.

Agora, no primeiro artigo, propomos duas questões: 1) A redução imediata de custos, a efetivação de novos desenhos institucionais, o acompanhamento da execução por métricas de desempenho, o estabelecimento de contratos de gestão, são medidas suficientes para as modificações institucionais e sociais que precisamos e almejamos? 2) Se gestão implica solucionar problemas, será que os problemas maiores estão nos nossos modelos e sistemas de gestão? Acreditamos que não!

Estamos certos de que as verdadeiras dificuldades, hoje, residem na incompreensão da finalidade dos modelos e sistemas, e não na sua capacidade de resolver problemas ou oferecer melhoria contínua. Mais do que reduzir perdas e desperdícios, aumentar produtividade ou oferecer qualidade em produtos e processos, importa perguntar a quem eles servem. Se a pessoa não for o sujeito e o alvo de toda a história, de nada adiantará a eficiência dos robôs!

Os modelos tayloristas, fordistas e toyotistas desempenharam um papel importante na história produtiva do século XX. Organizaram a empresa, aumentaram a eficiência da produção, reduziram custos e desperdícios, treinaram a mão de obra não qualificada, permitiram o acesso de milhões de pessoas ao mercado de consumo, numa diversidade espantosa de bens e serviços que aumentaram o conforto de toda a sociedade. São inegáveis as contribuições desses modelos, mas a história é dinâmica, e o êxodo rural, próprio do sistema feudal, há muito deixou de alimentar essa massa de trabalhadores ávidos por uma condição mínima de sobrevivência.

É visível e preocupante a degradação social a que assistimos em nosso planeta. Quanto maiores os avanços tecnológicos, maior a distância entre os povos e as pessoas. Mostramos pela internet e televisão o que se pode consumir, mas não lhes damos os meios para que satisfaçam as suas aspirações. Cada dia o tecido social se esgarça mais pela tensão do não ter. Se a internet pode despertar o consumo irrefreado, pode também qualificar o homem, tornando-o capaz de consumir equilibradamente. Esse é o efeito educativo e socializante que uma rede de telecomunicações bem planejada pode oferecer, cumprindo um papel de desenvolvimento tanto para os menos assistidos como para aqueles capazes de empreender novos negócios.

O mundo não comporta um ritmo de crescimento como o experimentado no último século. Além da questão social, também a ambiental se apresenta para ser considerada como urgente. Ambas ganharam peso, à medida que suas repercussões se tornaram econômicas. Pode custar caro não integrar as pessoas e o meio ambiente no sistema econômico. Desse tripé de sustentabilidade surge um ápice necessário para o equilíbrio sustentável: a prioridade da pessoa em seus aspectos éticos e formativos.

O Choque de Gestão que se exige hoje não deve tratar de regular o comportamento com novas normas de conduta por um princípio meramente utilitarista, mas de reposicionar a questão sob a perspectiva existencial da origem e fim da própria vida. Se cada um não tiver em conta seus princípios e fins mais elevados, todos caminharão pelos procedimentos rasteiros de conveniência que levam o homem ao individualismo, tornando insuportável o viver comum. Sem a perspectiva do outro, numa visão magnânima e generosa, o homem amesquinha-se e os sistemas tornam-se meramente regulatórios.

Analisaremos na sequência tais questões na ótica da Liderança, do Empreendedorismo e do papel que as Redes podem desempenhar na construção desse novo caminho em que a pessoa humana tenha sua dignidade resgatada. Arriscar-nos-emos a sonhar, pois aquilo que é frágil, enquanto ideia de uns poucos, pode tornar-se poderoso se compartilhado por muitos. Temos a força do idealismo, mas temos também a esperança de que o bem sempre há de prevalecer. Até o próximo artigo!


(II) desenvolvendo líderes


No início desta série de artigos sobre Choque de Gestão, propusemos que o novo caminho para fazê-lo acontecer de forma eficiente, no estágio atual do conhecimento, parece ser a formulação: “LER” (= Liderança + Empreendedorismo + Rede). Neste segundo artigo, discutiremos o primeiro elemento dessa equação, qual seja, a liderança.

Nosso país passa por um verdadeiro apagão em termos de liderança, praticamente em todos os setores, incluindo o governamental, empresarial, acadêmico e político. Mais do que nunca, em nossos dias, é verdadeira a frase de Oswaldo Aranha: vivemos “num deserto de homens e de ideias”. Assim, a questão que se coloca é: de que modo poderão ser conduzidas as mudanças de que nossa sociedade tanto necessita para se formarem pessoas capazes de progressivamente criar melhores condições de vida para si e para a comunidade?

O fato é que temos o direito a essas mudanças, pois mudar, segundo o antropólogo Ricardo Yepes, é algo próprio da natureza humana, constituindo um bem que move o homem em busca de seu desenvolvimento, com vistas a descobrir e alcançar a felicidade e a real finalidade para sua vida. “Se o homem busca a perfeição, se nele há uma inquietude de ser mais, é precisamente porque, por natureza, ele foi feito para esse crescimento”.

Ao percebermos uma mudança se aproximando, podemos gerenciá-la; ao nos anteciparmos a ela, podemos dela tirar proveito; mas, só se a criarmos, é que poderemos efetivamente conduzi-la. E conduzir a mudança é, justamente, liderar.

Diante da crise de lideranças por que passamos, o que devemos buscar são as oportunidades. O professor Pérez López afirma que “não há dúvida de que as crises são incômodas, inclusive perigosas. O que poucas vezes se percebe é que são necessárias: sem elas não se romperia uma trajetória que, a continuar, seria fatal para todo um organismo biológico ou social”. A fatalidade a que se refere o professor é a da comodidade e da passividade, a ilusão de que o tempo por si só pode melhorar a situação, bem como a da transferência de responsabilidade de quem vê sempre no outro a culpa do que lhe ocorre. Sem a consciência da necessidade de mudança e da nossa responsabilidade pessoal por ela, não haverá crescimento nem melhoria. E o tempo, ao invés de ajudar, só agravará a situação.

Não há dúvida de que a maior crise que vivemos hoje é de liderança. E a própria sociedade a causa, pois ─ à medida que incentiva a competição sem limites, em que os fins sempre justificam os meios, ─ acaba favorecendo o individualismo e, assim, provoca um esvaziamento dos valores humanos fundamentais, especialmente daqueles relacionados à nossa capacidade de servir e de buscar o bem comum. Incidentemente, temos visto nos debates políticos de todos os países que há um geral abandono da ideia de serviço do bem comum, fato do qual todas as sociedades se ressentem. Eventuais lideranças assim surgidas são marcadas pela falta de autenticidade, porque não deixaram de incorporar tais valores.

Olhando em particular para a perspectiva governamental e empresarial, e para os desafios que se apresentam nessas áreas, é papel do líder compreender tanto a natureza humana como a inerente ao desenvolvimento e ao progresso, com domínio da dinâmica das mudanças e competência para influir na atitude das pessoas.

O verdadeiro líder deve ter em conta que o primeiro bem a ser buscado é o bem comum: rumo a ele, todos os demais bens devem estar ordenados. E o bem comum, ensinou São Tomás de Aquino, baseado na filosofia perene de Aristóteles, não é a mera soma dos bens individuais, mas é algo superior, de outra natureza. Para ele, o “bem comum compreende a soma de cada bem individual com o bem coletivo”. Sem espírito de humildade e de serviço ao coletivo, a liderança pode se transformar em causa de desintegração mais que de união. Um líder que não enxerga ao redor não pode oferecer direção. Mas ter visão correta não basta para inspirar confiança; também é necessário que haja uma força interior para contagiar, além de uma atitude ética que não se limite ao interesse exclusivo e individual, mas vise ao bem comum. Para ser legítimo e motivar as pessoas, o entusiasmo deve ser desprendido. Ninguém seguirá um líder egoísta, pois sabe que o resultado, cedo ou tarde, será o fracasso.

É pelo trabalho - atividade necessariamente integradora, vista em seu caráter de missão, - que se manifesta o lÝder. Cabe à atividade laboral despertar e favorecer no profissional a consciência dessa missão, envolvendo-o numa tensão dinâmica positiva, que agrega valor e realiza o intangível. No trabalho, deve o líder ir à frente, dar-se como exemplo e comprometer-se com o bem comum para poder inspirar confiança e conduzir as pessoas.

Warren Bennis, um dos grandes especialistas no assunto, diz: “O que a maioria de nós realmente deseja é aceitação, afeto e autoestima; as posições e os cargos constituem meios para isso”. Para Bennis, a liderança é fundamentada em quatro grandes competências: a técnica, a de relacionamento, a de aprendizagem e a de integridade, sendo esta última a mais importante delas. “Além de visão e entusiasmo, os bons líderes, assim como os pais e professores, são inspiradores de esperança às pessoas; por isso, o caráter é a sua competência principal”.

Não nos interessa o super-homem nem o líder carismático: importa mais o líder humano que, consciente de suas limitações, faz-se humilde sem renunciar à ambição, dispõe-se ao sacrifício por visualizar um bem maior ─ o ideal de servir o bem comum. Interessa-nos a liderança que possa ser construída com base em princípios sólidos e objetivos elevados, que, mediante um processo virtuoso, possa transformar e contagiar as pessoas, criando um ambiente de inspiração e confiança. Dispor-se a mudar e alcançar o seu fim é liderar, com o exemplo, o grande processo da própria vida e daqueles que nos cercam.


(III) desenvolvendo empreendedores


Damos continuidade a esta série de artigos sobre Choque de Gestão, na qual propomos um novo caminho para que o desenvolvimento possa ocorrer de forma eficiente e sustentável. No primeiro artigo, mostramos que o novo e melhor caminho para o desenvolvimento é “LER” (= Liderança + Empreendedorismo + Rede). No segundo, abordamos a questão da Liderança. Ressaltamos o fato de que ela pode ser construída, posto que não é inata, e focamos a necessidade de que novos líderes sejam formados. Neste terceiro, passaremos a discorrer sobre o segundo elemento da nossa formulação para um tratamento eficaz do Choque de Gestão, qual seja, o Empreendedorismo.

Nada se empreende sem o objetivo de levar algo novo ao meio. Assim, a primeira questão que se apresenta é diferenciar criação de inovação. Resolver tal questão se faz importante pela constatação de que o povo brasileiro, embora bastante criativo, apresenta índices baixíssimos de inovação quando se avalia o número de patentes registradas e, sobretudo, a permanência dos novos negócios no mercado. Não bastam ideias, é necessário desenvolver a capacidade de sua implementação e gestão de forma adequada e sustentável. Há sempre alguém que se dispõe a pagar por boas soluções inovadoras, porém não por novas ideias, por melhores que elas sejam. Quantos empreendedores têm consciência disso?

Entre as qualidades presentes num grande empreendedor, duas se destacam à primeira vista: a primeira delas é a capacidade de reconhecer que precisa dos demais, e a segunda é a de sonhar com a possibilidade de melhorar o tempo e o espaço em que vive. Quando essas duas qualidades se conjugam, tanto o empreendedor em potencial como a sociedade em que ele vive se beneficiam.

Com humildade para reconhecer as próprias limitações e magnanimidade para não se conformar com elas, o empreendedor conjuga duas visões que formam o background de nossa civilização ocidental: o idealismo e o realismo. É fundamental que o empreendedor saiba desenvolver sua capacidade de sonhar sem tirar os pés do chão.

Um segundo desafio é a administração eficiente dos recursos de que dispõe em relação aos ideais que alimenta. Entre sonho e realidade há uma distância considerável que - não considerada - pode ser fatal. Para construir essa realidade sustentável, é preciso conjugar três capacidades essenciais ao negócio: estratégia, paixão e execução.

A estratégia exige frieza de mente, razão que tudo apura e tudo considera antes de decidir. Paixão é o ardor que potencializa a decisão, que rompe as limitações e faz avançar o negócio. E execução é o empenho diário, constante e operativo para fazer acontecer o planejado. Como num organismo vivo, tanto a mente quanto o coração e os braços têm funções distintas e importantes, as quais - empregadas fora dessa estrita ordem - podem levar o empreendimento ao fracasso.

Sob todas essas capacidades, a fé é fundamental em qualquer empreitada. Se não se acredita naquilo que se faz ou não se tem esperança de êxito, o melhor é nem começar. Mas como a fé não é um elemento controlável para efeito do negócio, o melhor é agregar a ela outro elemento que permita o crescimento racional e a possibilidade de avaliação. Esse elemento de crescimento e avaliação são as virtudes.

Do latim virtutes (forças), as virtudes são uma disposição estável para praticar o bem, um esforço consciente em busca do bem maior. Seguindo a tradição aristotélica de construção racional pela via da prática, sugerimos quatro virtudes que têm o dom de sustentar um bom negócio: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. Essas quatro virtudes são designadas virtudes cardeais, porque são os gonzos (em latim cardo, cardinis), eixos em torno dos quais giram todas as outras virtudes.

A prudência é uma virtude de primeira grandeza, e nada tem a ver com a visão distorcida do “pé atrás”, como acreditam muitos. O primeiro a considerar na prudência é a boa deliberação que envolve considerar as próprias experiências, as circunstâncias presentes e as consequências futuras. Também é apropriado consultar quem possa dar conselho. Tudo bem esclarecido, toma-se a decisão com a convicção de quem faz o melhor e por isso não adia nem transfere a responsabilidade.

A virtude da justiça pressupõe a noção de um bem, que deve ser praticado, e de um mal, que se deve evitar. Pressupõe também a existência do outro e com ele os seus direitos. Quanto mais se reconhece a dignidade de uma pessoa, mais se respeita a sua condição humana e o bem que ela merece. Um empreendimento que não vise ao bem nem respeite a pessoa, pode até auferir lucro por algum tempo, mas jamais se sustentará como negócio, pois sobre a injustiça nada se constrói.

A fortaleza é a virtude que impulsiona o negócio e ao mesmo tempo lhe dá sustentação. É preciso coragem e audácia para iniciar, para inovar, para ganhar novos espaços e propor novas soluções; mas pressupõe também paciência e perseverança para se sustentar nas adversidades e nos momentos de rotina que põem o negócio à prova. Se a atividade realiza o homem, o trabalho bem feito e constante perpetua o empreendimento.

A temperança é a virtude dos que não se deixam fascinar pelas aparências nem dominar pelas paixões mal direcionadas. É a atitude consciente que subordina um bem ao outro sem se deixar levar por inclinações primárias e meramente sensitivas. Quem não exerce domínio sobre si não pode controlar o que faz. No campo dos negócios, nada mais insustentável do que a impulsividade irresponsável. O empreendedor aceita o risco, mas mede as conseqüências; não se deixa seduzir pelo fácil ou agradável, mas raciocina, avalia e atua. É por essa consistência que ele se faz vitorioso no negócio.

Pode parecer tradicionalista essa proposta da visão empreendedora, mas há valores que na vida não devem mudar. Podem, sim, evoluir, aprimorar-se, mas sem necessariamente mudar. Princípios como a verdade, a liberdade, a bondade, são por definição imutáveis. É sobre eles que as empresas se fazem longevas e a honra de um homem admirável.

Governos, empresas ou instituições, quando espelham essa atitude de respeito aos princípios e buscam fins elevados, fazem-se necessários e passam a ser defendidos pelas comunidades. Cumprem um papel social e ético além do econômico, possibilitando o desenvolvimento em que a pessoa é prioridade, e o seu bem-estar, consequência dessa visão e atitudes empreendedoras.


(IV) recuperando os sonhos de criança


Nesta série de artigos sobre Choque de Gestão, as reflexões desta vez recaem sobre as alterações que temos presenciado, especialmente nas formas de pensar e de agir das pessoas.

Um fato é incontestável: nossa sociedade mudou e continuará mudando daqui para frente, de forma progressivamente acelerada, se nada for feito agora! Nossos filhos parecem nascer com o mouse na mão. Ficamos surpresos com a sua consciência ecológica e como interagem em rede de forma natural. Usam as novas mídias com a facilidade e a velocidade da imaginação e parecem rejeitar os padrões formatados pelo pragmatismo que lhes queremos impor.

Estamos educando mal nossos jovens com nossos conselhos e exemplos. Damos-lhes as melhores escolas, mas nem sempre os melhores ensinamentos. Nós os preparamos para um mundo competitivo e desprezamos o contemplativo. Ensinamos as regras e lhes subtraímos os fundamentos. Perdemos o costume de conversar, porque temos medo de nos abrir. Desse erro, todos se ressentem: a família, a empresa, os governos e a sociedade. O individualismo prevalece, e as pessoas não se encontram.

Numa sociedade em que tanto se criticam os jovens pela sua alienação aos valores e ao não cumprimento de normas e formalismos, precisamos ter a coragem de imitar as crianças. Precisamos romper com as caras sérias de quem faz muitas coisas importantes, mas não faz o que importa. Precisamos sair de nossos casulos de direitos adquiridos e iniciar a construção de uma obra séria.

Se vivemos uma crise, esta é a de liderança fomentada pela omissão dos homens de bem, que parecem se conformar com as trincheiras, renunciando à luta pelos grandes ideais. Querem toda a liberdade, mas, porque não a entendem, entregam-se ao bem-estar e fazem frágeis as suas almas. Querem mais tempo, não para contemplar a vida e vivê-la como homens, mas para se entregarem ao ativismo e ao prazer.

Precisamos de uma revolução pacífica, por meio da educação e dos valores, integrando o novo ao perene, as novas mídias aos fundamentos, as redes de telecomunicação ao contato pessoal. Não nos servem mais as velhas fórmulas que priorizam os sistemas e formatam as pessoas.

Inspirando-nos nas crianças, devemos buscar os fundamentos por meio das imagens, do lúdico e do interativo. Urge uma cruzada cultural em que as pessoas voltem a resgatar e a ler os velhos contos de fadas, pelos quais possam imaginar novas histórias, construir novos sonhos e, assim, preservar valores e inspirar pessoas, que, bem formadas, tenham a coragem de liderar e empreender.

São necessários líderes inspirados e inspiradores, dispostos a servir, a transmitir confiança pela atitude humilde de quem vê no outro a oportunidade para contribuir na construção de um mundo novo, um mundo em que os verdadeiros homens se responsabilizam pelos seus companheiros. É engano pensar que só o pão sacia o homem: nossa fome é de sentido, precisamos de motivos para viver, de causas que valha a pena seguirmos.

O que não precisamos é de modelos ou sistemas que alienam o homem e o fazem viver como multidão. Estamos cansados de caminhar como indivíduos e não como pessoas solidárias. Como seres sociais, precisamos uns dos outros, precisamos ser inspirados por grandes ideais, para, fortalecidos pelo exemplo, também empreendermos.

Temos muito que fazer, fomos feitos para muito, mas também não queremos nos apressar. Chega de pressa, chega de correr inseguros para mais frustrações. Um bom empresário não quer só lucrar, quer também servir. Do contrário, não é um bom empresário. Da mesma forma, um funcionário não quer só remuneração, quer motivação, deseja uma causa que dê um sentido maior ao seu trabalho e à sua vida. Um bom governante não quer o poder só pela vaidade de mandar, mas faz dele um meio para ajudar seus governados a realizarem os próprios sonhos, projetos de vida. Devemos todos reconhecer: estamos despreparados para isso! É preciso fazer uma pausa para refletir, ter uma causa por que lutar. Sem uma pausa que oriente e uma causa que anime, somos barcos com velas recolhidas, sem destino, que vento nenhum ajuda.

Se nos fizermos como crianças, teremos o direito de pedir e também o de errar. E o que pediremos não será pouco. Queremos a possibilidade de trabalhar com ânimo, desejamos a possibilidade de nos realizarmos como pessoas, ambicionamos a possibilidade de sorrir como meninos ou meninas que se entretêm em suas invenções, em suas façanhas e em suas obras.

Se só a obra bem feita gera alegria, ensinem-nos a fazê-la, deem-nos os meios, mas não nos privem de criar e inovar. Não é verdade que basta o dever cumprido ou a meta alcançada: não nos limitem pelos resultados, pois somos capazes de mais, queremos ser responsáveis por mais.

Como crianças, queremos aprender a “LER” (= Liderança + Empreendedorismo + Rede). Ensinem-nos a Liderar, não como chefes, mas como meninos inspirados que olham o céu e sonham com um mundo melhor. Ensinem-nos a Empreender, não por ganância, mas pela atitude generosa de quem tem muito a dar. Ensinem-nos a integrar-nos em Rede, não de links tecnológicos, mas de pessoas que esperam de nossa competência a satisfação de suas expectativas.

Não devemos ter vergonha de pensar como crianças, pois delas é o reino de quem constrói um mundo melhor. Se o trabalho é um dom, é por meio dele que empreenderemos nossos sonhos mais adultos e responsáveis. Se vivemos uma nova época, em que a prioridade da condição humana é a novidade, não podemos ter o constrangimento de ser felizes.

A história parece nos oferecer mais uma oportunidade, um novo recomeço em que o amor deve prevalecer. Nada do que recebemos é para nosso uso ou proveito exclusivo: somos administradores, e o bem que fazemos não cabe num celeiro. Se queremos regalar-nos, façamo-lo com os nossos iguais, com os que nos observam, com os que confiam em nosso exemplo de líderes empreendedores, atualizados com os avanços de nossa época.

Se soubermos conjugar o novo com o perene, o atual com o eterno, deixaremos um rastro luminoso capaz não só de tirar da miséria tantos que se perdem numa vida sem sentido, como faremos outros líderes dando continuidade a este grande ciclo da vida que conta com homens de alma grande e coração sensível.

Nossa fortaleza está em fazer-nos pequenos, pois só os pequenos são capazes de admirar, de aprender e também de ensinar. Mas inspiremo-nos também nos velhos clássicos em que a sabedoria humana está plasmada e depurada pela sabedoria dos antepassados. Voltemos a ler não só os livros das estantes, mas também as crônicas abertas por esses seres humanos que caminham conosco nesta maravilhosa aventura do ser.


(V) trabalhando em rede


No presente artigo, aborda-se a questão das Redes, último termo da equação proposta desde o início desta série: Choque de Gestão = “LER” = Liderança + Empreendedorismo + Redes.

Dizia Aristóteles que “o homem é um animal social”, posto estar sempre influenciando e sendo influenciado. A necessidade de interação com seus semelhantes é natural ao ser humano e indispensável para que ele alcance a sua plenitude. Consequência direta desse fato é que a comunicação é crucial para seu desenvolvimento e progresso.

“A natureza não faz nada sem um propósito, e o homem é o único animal que tem o dom da fala”, observa Aristóteles, que complementa: “somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade”.

O homem necessita evoluir, mas sozinho não o pode fazer, porque não possui todas as faculdades: precisa do contato com outros homens, percebendo que é pela união social que uns aos outros se completam, para assegurar o seu próprio bem-estar e progredirem.

Conta uma lenda de tradição judaica que, em uma região longínqua, viviam alguns homens que passavam muita fome porque tinham os cotovelos voltados para dentro e as mãos voltadas para fora. Portanto não podiam dobrar os braços em direção à boca porque não tinham flexão e assim não se alimentavam. Os pobres homens estavam à míngua, desnutridos e fatalmente condenados a morrer de inanição. O mais idoso deles, cheio de sabedoria, passou a estudar um meio de solucionar o problema. Eis a solução: por terem os cotovelos voltados para dentro e as mãos espalmadas para fora, poderiam colocar o alimento na boca dos outros e assim não passariam mais fome. O regime da solidariedade resolveu a questão.

Esse é o conceito de rede, que - antes de ser tecnológico (redes de telecomunicações) - é natural ao homem, pois o egoísmo e o isolamento embrutecem e debilitam a pessoa, quebrando a harmonia social e dificultando o progresso moral.

Acontece que, à medida que as redes de telecomunicações avançam, as pessoas têm se tornado cada vez mais distantes do convívio direto. Jovens trocam mensagens instantâneas com avidez, mas estão se tornando progressivamente incapazes de se relacionarem frente a frente. Nas empresas, muitos empregados têm agora computadores nas suas escrivaninhas, navegando em mundos virtuais. Entretanto, a boa e velha mesa de reunião, em torno da qual as pessoas realmente colocavam seus sonhos e planejavam a melhor forma de viabilizá-los, parece estar ficando obsoleta.

Se vivemos na era das telecomunicações e da informação, é fundamental que os instrumentos tecnológicos avancem, pelas inúmeras facilidades que proporcionam e pela sua magnífica capacidade de redução de custos e aumento de produtividade. Entretanto, também é necessário que aproximem mais as pessoas, fomentando conexões e relações mais harmoniosas e mais produtivas.

Todo indivíduo pode ser criativo e inovador quando tem a oportunidade de participar ativamente em conversações com significado, em torno de questões que importam a ele e à sociedade. Isso é algo que, de fato, lhe dá grande satisfação e, até mesmo, um significado ainda maior à sua vida. Adicionalmente, à medida que as pessoas conversam, passam a ter acesso a uma sabedoria maior, que é unicamente encontrada no coletivo.

Esse é o princípio da inteligência coletiva, da sabedoria que emerge à medida que as pessoas se tornam mais e mais conectadas umas com as outras. Como diz Juanita Brown, “ações individuais, quando conectadas, levam a uma capacidade muito maior”.

A telemática ─ por penetrar em todos os setores da atividade humana, atuar diretamente no aumento de sua eficiência, reduzir custos e gerar progresso ─ presta-se muito bem a colaborar para esse papel aglutinador. E, nesse contexto, ela pode atuar como um elemento catalisador, disponibilizando meios e acessos para facilitar a discussão e a atuação em rede, fomentando e facilitando o empreendedorismo que impulsione o desenvolvimento.

O Paraná constrói redes telemáticas com competência. A rede de fibras ópticas da COPEL, por exemplo, possui avançadas tecnologias e uma capilaridade extraordinária, chegando a todas as regiões do Estado. O desafio que se coloca, agora, é usar essa infraestrutura para formar uma rede de lideranças empreendedoras, em torno de temas relevantes para as pessoas e para o desenvolvimento sustentável do Estado. Como diz Eckart Wintzen, “conectar computadores é um trabalho; conectar pessoas é uma arte”.

Em curto espaço de tempo, estarão disponíveis, no Paraná, infraestruturas em fibras ópticas capazes de escoar tráfegos em torno de 100 Mbps entre residências, empresas, instituições e provedores de conteúdos. Os grandes desafios e as oportunidades hoje existentes residem no desenvolvimento de lideranças empreendedoras capazes de tirar o melhor proveito possível a partir dessas infraestruturas. As regiões e empresas que souberem coordenar esforços nessa direção, certamente alcançarão um importante posicionamento competitivo na próxima década.

O investimento em empreendedorismo no Paraná ─ seja pelo estímulo ao desenvolvimento de novas lideranças empreendedoras, seja pelo incentivo à atualização das já existentes ─ apresenta-se como oportunidade única de alavancar o desenvolvimento do Estado. E o momento é propício aos investimentos, sobretudo pela disponibilização de uma infraestrutura de telecomunicações, avançada em tecnologia e capilaridade.

Não se trata apenas de um aporte de recursos, mas de uma proposta de inovação nos negócios, em que a formação e o desenvolvimento dos agentes econômicos se apresentam como o diferencial competitivo de uma era nova. É preciso a consciência de que os investimentos nas infovias não devem ser analisados apenas sob o prisma dos retornos financeiros decorrentes, pois os benefícios maiores são de cunho socioeconômico, muitas vezes intangíveis no curto e médio prazos. Nesse sentido, não deve haver dúvida de que as infovias podem desempenhar um papel decisivo, pelo seu poder de facilitar a criação de novos negócios e de melhorar a eficiência dos empreendimentos: afinal, elas economizam tempo, reduzem esforços, otimizam custos, induzem o desenvolvimento de toda a sociedade, bem como geram ciência, renda e oportunidades capazes de integrar esforços historicamente não unidos.

Nos artigos anteriores, afirmamos a premência da implementação do Choque de Gestão nos diversos setores e atividades, incluindo os empresariais, governamentais, universitários e institucionais, com a certeza de que ações nesse sentido devem passar por novos modelos gerenciais, mas com a consciência de que elas têm de ser concebidas e executadas pelo homem, tendo sempre como finalidade o bem-estar coletivo.

Ressaltamos, ainda, o fato de que precisamos de novas lideranças: transformadoras de sonhos individuais em sonhos coletivos, capazes de levantar bandeiras que valha a pena ser empunhadas, e motivadoras das pessoas às boas causas visando ao bem comum.

Necessitamos, também, formar empreendedores, pois de nada adiantam os sonhos, por mais magnânimos que sejam, se eles não forem materializados.

No presente artigo, que conclui a série, destacamos que as lideranças empreendedoras, uma vez combinadas com desenvolvimento tecnológico e com a implantação de Redes telemáticas, geram efeitos multiplicadores e proporcionam inúmeros resultados para toda a sociedade, com evolução e progresso sustentáveis.