Marciano
Um senhor, de nome Marciano, todos os dias ía visitar uma casa de recuperação de jovens dependentes químicos.
Ele entrava na mesma hora, às seis da tarde, sempre com um papel na mão. Sentava-se em um canto da sala, e dizia a todos os sete jovens da casa (mas sem olhar para nenhum deles em particular), que iria ler para eles um texto que ele havia escrito.
A cada dia, um novo assunto. Eram textos sobre temas diversos como coragem, amor, esperança, persistência, fé...
- "Mas nem mesmo sabemos o que ele faz, ou onde ele mora!", disse a Diretora. Nisso, João Pedro, o mais moço da casa, pega uma pasta contendo os inúmeros os papéis, com todas as histórias de Marciano, que ele havia guardado.
- "Lembro que tinha o endereço dele em uma das histórias...". E, logo em seguida: - "Aqui está, eis o endereço, vamos até lá, Diretora, por favor!".
Imediatamente, a Diretora e os sete rapazes entraram na caminhonete do lar e foram procurar aquele endereço. Era uma casa simples, toda amarela e de telhado bem vermelho. Bateram a campaínha, mas não houve resposta. Um dos rapazes, então, tentou o trinco da porta, e verificou que ela estava aberta.
Sem vacilar, decidiram entrar na casa. Era muito pequena, apenas com um quarto, uma pequena sala, um banheiro e uma cozinha. E, à mesa da cozinha, lá estava Marciano, com a caneta na mão e o rosto deitado sobre a página de um novo texto.
- "Seu Marciano!", disse um dos rapazes. Mas logo verificaram que ele já não responderia mais. Marciano havia morrido. E, muito provavelmente, da maneira como gostaria: escrevendo um de seus textos dedicados àqueles moços.
Um dos jovens, então, decidiu ler o que Marciano estava escrevendo naquele dia.
O texto chamava-se "Os meus sete anjos". Eis um trecho:
Amo-os profundamente, e sei que vocês são excelentes pessoas. Sinto isso. Vejo isso nos olhos de cada um de vocês. Tornaram-se viciados, sim, porém não por culpa de vocês, mas pelas duras circunstâncias da vida. Parecem ignorar o que lhes leio, mas isso não me importa nem um pouco, pois sei que, no fundo de suas almas, vocês são excelentes pessoas. Pessoas tão jovens e que já foram tão massacradas por uma vida que, nem sempre, é tão justa como desejaríamos. Mas mesmo sem saber os seus nomes, rezo sempre por cada um de vocês. E quero que saibam que jamais desistirei de vocês. Continuarei indo lhes visitar. Prosseguirei insistindo, até o último dia de minha vida. E estejam certos: a minha esperança em vocês nunca acabará.
Ao terminar a leitura, os sete jovens estavam todos chorando.
O enterro de Marciano foi simples, mas de grande significado. Os seus sete anjos estavam lá, se revezando para carregar o caixão.
João Pedro, Cristiano, Alexandre, André Luis, Luis Carlos, Márcio e Jonas. Todos os sete recuperaram-se de suas dependências e, recentemente, fundaram o seu próprio lar para auxílio a dependentes químicos. O nome do lar?
"Lar São Marciano"!
Alguém disse a João Pedro que aquele nome era muito estranho, pois "nunca houve um Santo chamado Marciano".
João Pedro simplesmente sorriu, com o olhar de quem não concordava com aquilo, mas não disse nada. Apenas sentou em um canto da sala, abriu um livro e começou a ler um trecho para os jovens do novo lar. Era o livro que os sete haviam publicado, reunindo todos os textos de "Marciano".
Isto é (e por que não?) os textos de "São" Marciano.
mas é a bondade que dá asas às pessoas.
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