Sem dúvida, os cursos de pós-graduação são um dos nichos mais propícios à produção do saber técnico-científico por seu caráter de especialização e por serem avaliados em razão dessa produção.
"Estou formado: trabalho ou estudo mais?"Ao terminar um curso superior, o jovem visualiza dois encaminhamentos principais: ou entrar direto no mercado de trabalho, ou seguir a carreira acadêmica.
No primeiro caso, a crescente competitividade do mercado leva muitos formados a optar por "aprender mais", para assim enfrentar a competição com maior vantagem. Entretanto, nota-se que os nossos cursos de mestrado ainda focalizam objetivos pouco definidos e são um misto de oferta de um melhor preparo para o mercado e introdução (em geral precária) dos alunos à investigação científica. Na prática, muitos dos mestrados brasileiros são "tapa-buracos" da graduação e simplesmente repetem o que nela já foi dado (há, evidentemente, honrosas exceções).
Quando a opção é pela vida acadêmica, dentro de nosso modelo os alunos são forçados a fazer o mestrado e impedidos de passar imediatamente para o doutorado. Neste, eles seriam de pronto introduzidos no mundo da pesquisa. Esse fato -- aliado à circunstância de que os nossos mestrados são longos demais comparativamente com os dos países mais adiantados -- faz com que os pesquisadores brasileiros comecem a ser pesquisadores de verdade tarde demais. Assim, desperdiçamos o maior potencial criativo de mentes mais jovens.
Pós-graduação brasileira: problemas e avaliaçãoComparado com os países mais desenvolvidos, o Brasil tem muitos professores em sala de aula e pouquíssimos produzindo trabalhos de cunho científico. Temos 140.000 professores dando aulas nas universidades e apenas 85.000 fazendo pesquisa (aproximadamente 2 professores para cada pesquisador). No Japão, a proporção é exatamente inversa.
Nos países mais desenvolvidos, empresas de alta tecnologia situam-se ao redor das principais universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento. Lá, existem mecanismos facilitadores da instalação dessas empresas e da interação delas com as instituições de ensino superior. No Brasil, isso ainda não ocorre.
Há que se mencionar, também, a tendência de os melhores pesquisadores procurarem instalar-se nas capitais ou nas grandes cidades, o que dificulta sobremaneira a disseminação do desenvolvimento científico-tecnológico a cidades menores, do interior. É bem verdade que esse êxodo para os centros urbanos maiores se deve, inclusive ou principalmente, à busca dos tão necessários recursos para viabilizar o sonhado desenvolvimento científico-tecnológico. Uma alternativa para a dificuldade de localização seria utilizar a tecnologia atual de videoconferência, por meio da qual um professor pode estar numa cidade e interagir com uma turma de alunos que esteja fisicamente em outra cidade. Para qualquer solução, é essencial criar condições mínimas de infra-estrutura predial, laboratorial, de bibliotecas e outros recursos, que permitam ao profissional do interior, que é treinado, desenvolver-se e contribuir para o desenvolvimento de outros e da sua região, já que formação somente verbalizada e visual não é suficiente.
Quanto ao número de pós-graduados, é importante notar que a USP (Universidade de São Paulo) forma cerca de 65% dos doutores brasileiros, sem considerarmos os formados pelas outras instituições paulistas (UNICAMP e UNESP). Tal fato denota em nosso corpo de pesquisadores um enorme
in-breeding (termo da genética que significa "geração consangüínea", "geração na mesma família"). Não parece desejável deixarmos de contar com múltiplas e variadas correntes de investigação, tendentes a garantir resultados mais significativos e mais seguros.
Uma avaliação por resultados concretosA CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) possui um sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação. É um sistema importante, pois os cursos recebem avaliação externa e "por pares". Entretanto, os melhores conceitos (A e B) ainda se concentram fortemente na região Sudeste, sendo que fora dela os conceitos caem drasticamente.
A grande maioria das teses produzidas nas universidades brasileiras são de qualidade bastante sofrível sob o ponto de vista de sua contribuição real para a sociedade ou para a ciência. As revistas técnicas internacionais trazem pouquíssima citação de trabalhos desenvolvidos em nosso meio.
Os índices de avaliação da produtividade adotados nas nossas instituições de ensino superior ainda têm pouca consistência. A quantidade de trabalhos publicados e de suas citações é ainda o único índice adotado em muitas delas e de validade muito restrita. Nos artigos publicados, às vezes apressadamente, constata-se em geral baixa qualidade e, o que é pior, uma contribuição real mínima. Outros índices poderiam ser adotados, mais diretamente relacionados ao desenvolvimento socioeconômico regional, como: grau de interação com a indústria; número de parcerias bem-sucedidas; soluções encontradas para problemas do setor produtivo e do governo; produtos gerados e transferidos; afinidade com as políticas de desenvolvimento governamentais e outros. Esses índices adicionais certamente funcionariam como indutores de motivação bem maior para todos os setores envolvidos.
Emprego mais inteligente supre poucos recursosNo Brasil (e provavelmente só no Brasil!), é cultura corrente de que nenhum aluno pode fazer pós-graduação sem bolsa, o que acaba saindo excessivamente caro para o Governo Federal. Essa cultura vai mais além: o bolsista deve usufruir de todo o período da bolsa e renová-la quanto mais puder, tendo em geral, para isso, a aprovação do seu orientador e da instituição. O que ocorre, hoje, é que a CAPES possui um estoque muito grande de recursos para renovação, o qual -- redimensionado -- poderia aumentar em muito a oferta de novas bolsas.
Com a acelerada evolução da Ciência & Tecnologia no planeta, faz-se fundamental que as universidades e institutos de pesquisa estejam interligados pelos mais atualizados sistemas de informática e de telecomunicação em banda larga. Sem isso, qualquer intenção de competir em nível mundial fica em muito prejudicada. Boa parte da comunidade científica ainda dispõe de computadores e
softwares desatualizados e de serviços de telecomunicação com qualidade precária e velocidade ainda muito baixa!
Em vista do preço elevado do material bibliográfico, é essencial que as bibliotecas das universidades e dos institutos de pesquisa e desenvolvimento estejam interligadas em rede de telecomunicação, para trocas rápidas de informação. Os custos impedem que qualquer biblioteca tenha todo tipo de publicação. Pela interligação, ficam bastante facilitados a interação e os empréstimos interbibliotecários. Esse é requisito indispensável no processo de qualquer projeto de pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, apesar dos esforços por parte de diversas instituições e do próprio Ministério de Ciência e Tecnologia, por meio do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), muitas das bibliotecas das instituições de ensino superior e centros de pesquisa ainda não estão em rede entre si e ainda não acessam os grandes bancos nacionais e internacionais de referência.
Os pesquisadores brasileiros ainda enfrentam séries dificuldades para a importação de materiais,
softwares e equipamentos, tendo que passar por cansativos processos burocráticos, que dificultam sobremaneira o desenvolvimento de seus trabalhos.
Nossa pós-graduação necessita ser repensada, reestruturada e reintegrada ao meio, a fim de ser capaz de dar ao país os recursos humanos imprescindíveis para sustentar uma maior competitividade ao Brasil dentro da economia global, em que só começamos a entrar. Os recursos físicos e até os financeiros não substituem o ser humano como produtor de uma Ciência & Tecnologia realmente nossas, isto é, voltadas para as necessidades tipicamente brasileiras.