quinta-feira, 29 de março de 2007

Algumas considerações sobre nossa pós-graduação

Sem dúvida, os cursos de pós-graduação são um dos nichos mais propícios à produção do saber técnico-científico por seu caráter de especialização e por serem avaliados em razão dessa produção.

"Estou formado: trabalho ou estudo mais?"

Ao terminar um curso superior, o jovem visualiza dois encaminhamentos principais: ou entrar direto no mercado de trabalho, ou seguir a carreira acadêmica.

No primeiro caso, a crescente competitividade do mercado leva muitos formados a optar por "aprender mais", para assim enfrentar a competição com maior vantagem. Entretanto, nota-se que os nossos cursos de mestrado ainda focalizam objetivos pouco definidos e são um misto de oferta de um melhor preparo para o mercado e introdução (em geral precária) dos alunos à investigação científica. Na prática, muitos dos mestrados brasileiros são "tapa-buracos" da graduação e simplesmente repetem o que nela já foi dado (há, evidentemente, honrosas exceções).

Quando a opção é pela vida acadêmica, dentro de nosso modelo os alunos são forçados a fazer o mestrado e impedidos de passar imediatamente para o doutorado. Neste, eles seriam de pronto introduzidos no mundo da pesquisa. Esse fato -- aliado à circunstância de que os nossos mestrados são longos demais comparativamente com os dos países mais adiantados -- faz com que os pesquisadores brasileiros comecem a ser pesquisadores de verdade tarde demais. Assim, desperdiçamos o maior potencial criativo de mentes mais jovens.

Pós-graduação brasileira: problemas e avaliação

Comparado com os países mais desenvolvidos, o Brasil tem muitos professores em sala de aula e pouquíssimos produzindo trabalhos de cunho científico. Temos 140.000 professores dando aulas nas universidades e apenas 85.000 fazendo pesquisa (aproximadamente 2 professores para cada pesquisador). No Japão, a proporção é exatamente inversa.

Nos países mais desenvolvidos, empresas de alta tecnologia situam-se ao redor das principais universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento. Lá, existem mecanismos facilitadores da instalação dessas empresas e da interação delas com as instituições de ensino superior. No Brasil, isso ainda não ocorre.

Há que se mencionar, também, a tendência de os melhores pesquisadores procurarem instalar-se nas capitais ou nas grandes cidades, o que dificulta sobremaneira a disseminação do desenvolvimento científico-tecnológico a cidades menores, do interior. É bem verdade que esse êxodo para os centros urbanos maiores se deve, inclusive ou principalmente, à busca dos tão necessários recursos para viabilizar o sonhado desenvolvimento científico-tecnológico. Uma alternativa para a dificuldade de localização seria utilizar a tecnologia atual de videoconferência, por meio da qual um professor pode estar numa cidade e interagir com uma turma de alunos que esteja fisicamente em outra cidade. Para qualquer solução, é essencial criar condições mínimas de infra-estrutura predial, laboratorial, de bibliotecas e outros recursos, que permitam ao profissional do interior, que é treinado, desenvolver-se e contribuir para o desenvolvimento de outros e da sua região, já que formação somente verbalizada e visual não é suficiente.

Quanto ao número de pós-graduados, é importante notar que a USP (Universidade de São Paulo) forma cerca de 65% dos doutores brasileiros, sem considerarmos os formados pelas outras instituições paulistas (UNICAMP e UNESP). Tal fato denota em nosso corpo de pesquisadores um enorme in-breeding (termo da genética que significa "geração consangüínea", "geração na mesma família"). Não parece desejável deixarmos de contar com múltiplas e variadas correntes de investigação, tendentes a garantir resultados mais significativos e mais seguros.

Uma avaliação por resultados concretos

A CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) possui um sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação. É um sistema importante, pois os cursos recebem avaliação externa e "por pares". Entretanto, os melhores conceitos (A e B) ainda se concentram fortemente na região Sudeste, sendo que fora dela os conceitos caem drasticamente.
A grande maioria das teses produzidas nas universidades brasileiras são de qualidade bastante sofrível sob o ponto de vista de sua contribuição real para a sociedade ou para a ciência. As revistas técnicas internacionais trazem pouquíssima citação de trabalhos desenvolvidos em nosso meio.

Os índices de avaliação da produtividade adotados nas nossas instituições de ensino superior ainda têm pouca consistência. A quantidade de trabalhos publicados e de suas citações é ainda o único índice adotado em muitas delas e de validade muito restrita. Nos artigos publicados, às vezes apressadamente, constata-se em geral baixa qualidade e, o que é pior, uma contribuição real mínima. Outros índices poderiam ser adotados, mais diretamente relacionados ao desenvolvimento socioeconômico regional, como: grau de interação com a indústria; número de parcerias bem-sucedidas; soluções encontradas para problemas do setor produtivo e do governo; produtos gerados e transferidos; afinidade com as políticas de desenvolvimento governamentais e outros. Esses índices adicionais certamente funcionariam como indutores de motivação bem maior para todos os setores envolvidos.

Emprego mais inteligente supre poucos recursos

No Brasil (e provavelmente só no Brasil!), é cultura corrente de que nenhum aluno pode fazer pós-graduação sem bolsa, o que acaba saindo excessivamente caro para o Governo Federal. Essa cultura vai mais além: o bolsista deve usufruir de todo o período da bolsa e renová-la quanto mais puder, tendo em geral, para isso, a aprovação do seu orientador e da instituição. O que ocorre, hoje, é que a CAPES possui um estoque muito grande de recursos para renovação, o qual -- redimensionado -- poderia aumentar em muito a oferta de novas bolsas.

Com a acelerada evolução da Ciência & Tecnologia no planeta, faz-se fundamental que as universidades e institutos de pesquisa estejam interligados pelos mais atualizados sistemas de informática e de telecomunicação em banda larga. Sem isso, qualquer intenção de competir em nível mundial fica em muito prejudicada. Boa parte da comunidade científica ainda dispõe de computadores e softwares desatualizados e de serviços de telecomunicação com qualidade precária e velocidade ainda muito baixa!

Em vista do preço elevado do material bibliográfico, é essencial que as bibliotecas das universidades e dos institutos de pesquisa e desenvolvimento estejam interligadas em rede de telecomunicação, para trocas rápidas de informação. Os custos impedem que qualquer biblioteca tenha todo tipo de publicação. Pela interligação, ficam bastante facilitados a interação e os empréstimos interbibliotecários. Esse é requisito indispensável no processo de qualquer projeto de pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, apesar dos esforços por parte de diversas instituições e do próprio Ministério de Ciência e Tecnologia, por meio do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), muitas das bibliotecas das instituições de ensino superior e centros de pesquisa ainda não estão em rede entre si e ainda não acessam os grandes bancos nacionais e internacionais de referência.

Os pesquisadores brasileiros ainda enfrentam séries dificuldades para a importação de materiais, softwares e equipamentos, tendo que passar por cansativos processos burocráticos, que dificultam sobremaneira o desenvolvimento de seus trabalhos.

Nossa pós-graduação necessita ser repensada, reestruturada e reintegrada ao meio, a fim de ser capaz de dar ao país os recursos humanos imprescindíveis para sustentar uma maior competitividade ao Brasil dentro da economia global, em que só começamos a entrar. Os recursos físicos e até os financeiros não substituem o ser humano como produtor de uma Ciência & Tecnologia realmente nossas, isto é, voltadas para as necessidades tipicamente brasileiras.


3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Marcos

Dentre os comentários da pós, sua maior concentração no sudeste do Brasil, da indissociabilidade do ensino e da pesquisa, gostaria de destacar simplesmente a necessidade da educação continuada representada por segmentos vários na área de educação, quais sejam os Centros Universitários cuja maior responsabilidade é a do ensino (sem muita pesquisa), as Faculdades em que a concentração na pesquisa se dá através de programas de pós, porém com menor envergadura em termos de custo e profundidade tecnológica. E por fim, as Universidades, onde caberia por responsabilidade grandes pesquisas (cura da AIDS, câncer, tecnologia de ponta na economia de combustível, não poluição, etc...). As estatísticas falam por si sobre essas questões.
Mas o mais importante a ressaltar é a questão de que pós não é só para formar professores e sim para aperfeiçoamento da qualidade de vida, da cidadania, da ética, do caráter, de qualquer indivíduo, além da atualização de cenários dos vários campos do saber, o desenvolvimento dos alunos, dotando-os de nova visão, de novos métodos de pesquisa, de um novo perfil de atuação na sociedade e assim por diante. Temos quer ter um olhar sistêmico e não linear, fragmentário sobre a pós, o que talvez seja tarde demais. O último a sair apague a luz cuja tradução é: APAGÃO ACADÊMICO OU UNIVERSITÁRIO, de caráter “pandemico” nesses tempos.

Eurico Maranhão

Anônimo disse...

Não sou acadêmico e acho que uma boa causa disso é que penso muito sobre o assunto. Tenho vários amigos que fazem ou fizeram mestrado ou doutorado. A esmagadora maioria deles não demonstrou nenhum interesse cientifico durante a graduação. Não estudavam para aprender, compreender, ou pelo prazer do conhecimento. O importante era a nota pra passar. Reconheço o esforço deles e admiro sua gana em continuar os estudos mas, de novo, a motivação é o "Título", não a pesquisa (com honrosas exceções, é claro! ).

Os orientandos são escolhidos por sua capacidade de produzir artigos para seus orientadores, ou seja: não precisam de cabeças brilhantes, questionadoras, incrédulas, mas sim produtivas, e com uma boa expressão escrita, de preferência.

Alguém que produza artigos sobre qualquer assunto, sem muitos questionamentos, alguém rápido e eficiente parece ser um sonho de consumo. Pensamentos originais ou muitos questionamentos parecem não ser muito bem vindos. Na própria especialização, pensamentos próprios são desencorajados. Isso, pra mim, é contrário ao que se espera de um "cientista".

Além disso, parece que usam a filosofia: "sofra o que eu sofri para saber o que eu sei", e deste modo não existe evolução, ou é muito lenta, pois o aluno tem que suar a camisa pra descobrir o que o orientador já sabe. E ele, o orientador, serve como referência de meta, e não como trampolim para novos saltos.

É triste mas tenho confirmado isto a cada vez que converso com mestrandos e doutorandos. Sentem-se explorados e pouco recompensados. Dedicam a melhor fase da vida sustentando a vaidade de um título que, por si só, é árido e fútil.

Marcos de Lacerda Pessoa disse...

Seus comentários são muito pertinentes; pena que você não se identificou!

Eu parei de dar aulas em cursos de pós-graduação exatamente pelos motivos que foram colocados por você: o interesse passou a ser muito mais no diploma do que propriamente na aquisição de conhecimento e na capacitação em pesquisa.

O fato é que nós, brasileiros, não somos iniciados adequadamente na ciência; o que é feito nos países mais avançados, desde que a criança inicia-se no ensino básico.

Pretendo escrever mais sobre isso, oportunamente.