domingo, 14 de março de 2010

Terapia salvadora

Diz Rafael Cifuentes que, no nosso tempo, uma das maiores doenças é a vontade de triunfar a todo o custo.


De fato, a sociedade competitiva em que vivemos criou a necessidade psicológica do sucesso. É preciso subir na escala social! É necessário ganhar status! Despertar admiração!


A profissão tornou-se fundamentalmente um pedestal. Daí vem a corrida pelos postos rendosos e honoríficos, catalisada pelo doping da vaidade que lança adrenalina nas veias, incentivando à realização de um trabalho desmedido e descabido. Atividades frenéticas que acabam por desgastar a pessoa pelo stress, depressão e outros distúrbios psicológicos, a não ser que antes tenha sido fulminada pelo infarto.


Não raro, diz Cifuentes, o habitante das nossas cidades é um homem escravo, dominado pela paixão da vaidade e da ambição. Não é dono do seu destino pessoal. Faz parte da máquina de uma sociedade globalizada que enaltece a produtividade e tritura a “ineficácia”.


Acontece que, quando um homem não possui o comando da sua vida, perde a sua categoria humana, a sua prerrogativa essencial que o distingue da planta ou do animal: a de não ter uma vida autônoma.


Todos os fatores externos, a opinião alheia, os slogans propagandísticos, as ideias e sentimentos que a televisão, o rádio, os jornais e a Internet querem incutir em cada pessoa a marteladas, passam então a invadir o centro solene da sua alma e é como se injetassem uma espécie de “narcótico” nas veias do seu ser, colocando-o num estado pré-hipnótico.


É urgente que nos interiorizemos!


O homem que perdeu o silêncio e o recolhimento não somente perdeu um atributo: foi modificado em toda a sua estrutura.


Muitos já dizem que vida interior seria uma noção muito antiquada para o século XXI. Que aquilo que importa hoje seria somente o dinamismo e a eficácia, pois só seria possível sentir-se bem na ação. Reflexão, oração – dizem –, isso está bem para um monge, para uma freira, mas não para pessoas “comuns”. Pessoas estas que, hoje, têm muito a fazer... São continuamente assaltadas pelas responsabilidades e obrigações... Não têm um minuto livre... Vivem “na correria”... Os filhos, o cônjuge, os problemas em casa, o trabalho, a empresa, os negócios, os mil assuntos a resolver solicitam-lhes alguma ação, alguma atenção. Não há mais tempo para lero-leros.


No entanto, para os que assim pensam, é preciso ressaltar que aquilo que distingue o ser humano de uma máquina é precisamente o aspecto interior, os pensamentos, os sentimentos. Uma máquina realiza exteriormente o que o homem pode realizar, mas não pode sentir nem pensar.


Quem diz que só é feliz com a ação, está enganado!


A felicidade não está nas coisas sobre as quais um indivíduo atua – por exemplo, se é engenheiro, nos tijolos dos edifícios que constrói – mas ela se verifica em razão da plenitude que essa pessoa experimenta pelo exercício das suas faculdades criadoras.


A felicidade não está na eficácia e no dinamismo – termos mais de moda do que os da vida interior –, na rapidez em construir um prédio. Porque tudo isso pode ser feito muito melhor por uma máquina. E um homem poderia ter como ideal ser uma máquina, muito eficiente, mas que não sente nada?


O homem moderno diz que gosta de viajar. Mas o que é que dá valor a uma viagem? O ir de um lugar para outro, ou antes, a maravilha de descobrir o encanto de uma nova paisagem, que é uma experiência fundamentalmente interior?


É preciso que se note que a fonte da felicidade não está na ação exterior, mas no mais íntimo de cada qual, na plenitude interior que leva à ação.


Viver do exterior é viver

condicionado pelos acontecimentos.


Um homem devorado pela febre da ação não tem as suficientes reservas interiores para gozar plenamente dos resultados dos seus esforços.


O excesso do ‘fazer’

provoca a anemia do ‘ser’.


Evidentemente, devemos concordar com o caráter necessário da ação, reconhecendo as suas virtudes e os seus benefícios. Mas com a condição de que não chegue até ao esgotamento interior, no qual o homem despossuído do que ‘é’ se converte em escravo do que ‘faz’.


O recolhimento e o silêncio interior são fundamentais

para se conseguir a paz, o equilíbrio e

a harmonia de uma vida em plenitude.


Há hoje muitas pessoas que vivem divorciadas de si mesmas porque não fazem silêncio por dentro. Não ouvem o que há de mais essencial, porque o ruído as impede de ouvir a voz do seu mundo interior, que é onde Deus se pode manifestar.


É por isso que tantos precisam de “terapias” especiais, e é também por isso que os homens que têm vida interior normalmente não precisam ir ao analista: a paz, fruto da meditação e da oração – sem reduzir-se simplesmente a isso –, não deixa de ser uma verdadeira e fecunda terapia salvadora.


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