sábado, 21 de abril de 2007

Um quê de quietude

Não há nada que exemplifique tão bem o caráter de nossa cultura como a visão de pessoas andando em shoppings apinhados e ao mesmo tempo conversando pelos celulares.

Por outro lado, esse fenômeno está de acordo com o princípio de que “tempo é dinheiro”. Nenhum momento deve ser desperdiçado. É melhor fazermos duas ou três coisas simultaneamente.

Podemos falar pelo telefone enquanto estamos no ônibus ou através do viva-voz do carro.

Graças aos celulares, serviços de mensagem instantânea, pagers e chamadas em espera, podemos ser constantemente interrompidos, seja no meio de outra conversa, ouvindo um concerto, sentados na igreja ou até mesmo quando dormimos.

As empresas de telefonia anunciam que “agora estamos conectados!”.

Por outro lado, toda essa “conexão” reflete um terrível desejo de estar em outro lugar, exceto no momento atual.

Nós não temos tempo; contudo, isso nos assusta. Reclamamos das pressões de horários apertados; mas, muitas vezes, o que realmente nos falta é tempo para fazermos ainda mais coisas. A perspectiva de longos períodos de ócio ininterrupto, solidão ou quietude pode ser horrível. Se todos os nossos compromissos e programas fossem cancelados, o que faríamos? Ligaríamos a televisão, pegaríamos um jornal ou telefone, ou planejaríamos uma excursão que nos deixaria mais exaustos do que estávamos antes.

É claro que existe um verdadeiro espírito de lazer, assim como um verdadeiro espírito de trabalho. Mas há algo mais acontecendo quando aquilo que realmente nos move é a necessidade de evitar a quietude. Muitas receitas de felicidade não fazem mais do que alimentar o desejo por diversão. Esse tipo de “felicidade” não passa de uma máscara para esconder nossa verdadeira condição?

Os Santos realizaram várias grandes obras, dirigindo escolas e hospitais, governando reinos ou simplesmente refreando as próprias paixões. Mas sua ação tinha um quê de quietude. É verdade que passavam considerável parte de seu tempo em oração e contemplação. Mas no silêncio e na quietude encontraram uma paz que inspirou todas as suas obras e atividades.

Os lugares quietos estão se tornando cada vez mais raros. Mas não basta escaparmos do tumulto do mundo. Ainda há a questão do tumulto interior. Mesmo quando o exterior está quieto, vozes e alarmes interiores nos lembram do que precisa ser feito, do que realizamos de modo insatisfatório e do que nos fizeram no passado. Essas vozes sempre tiram nossa atenção do tempo e lugar aqui e agora – em que de fato estamos.
Nos ambientes de trabalho, passou a ser comum as pessoas ficarem navegando pela Internet e, ao mesmo tempo, terem headphones plugados às orelhas, para que possam, em "paralelo", ouvir música. Assim, dá-se a impressão de que há algum silêncio; mas na realidade, está acontecendo exatamente o oposto!
Convencem-nos de que só seremos felizes no futuro se conseguirmos cumprir o próximo prazo, ganhar a posição adequada, obter o emprego perfeito ou acertar as contas antigas. Contudo, se vivemos constantemente no passado ou nos preparando para viver no futuro, como podemos ter certeza de que estamos realmente vivos?

Neste blog entro agora em quietude.

Simplesmente para ter certeza de que estou realmente vivo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Marcos
Excelente texto e oportuno pois a interiorização propicia um contato com nós mesmos, não é fácil. A televisão é uma extensão de nossa visão, a tecnologia digital, agora a tecnologia-mídia, se configura e se caracteriza cada vez mais como extensão, de nós mesmos, dos nossos sentidos.Isto é bom? pode até ser em algum determinado viés, porém os cinco sentidos não são padrões autênticos pelos quais possamos medir nossa experiência da realidade. De fato, longe de nos prover com uma visão precisa da realidade, nossos sentidos a obscurecem.
Hoje não se conversa mais, a não ser pelos "chat", não há mais narrativas pessoais. Sócrates não gostava de livros. O filósofo grego resmungava que, por culpa dessas novas tecnologias, crias diretas da equivocada invenção do alfabeto, os jovens deixariam de usar a memória, entregariam esta responsabilidade a caracteres inanimados e nunca mais seriam capazes de evocar o conhecimento por si próprios. Assim, Sócrates parecia temer o objeto livro. Ele preferia confiar no conhecimento virtual dos confins do espírito. Tanto foi assim que nunca deixou nada escrito. Tudo que sabemos dele vem do relato de seus discípulos Platão e Xenofonte.

Eurico Maranhão

Anônimo disse...

Marcos,

Concordo que não há mais "tempo" para a quietude. Tanto no "kronos" inexorável que, aparentemente não temos controle, quanto no "kairós" cuja intensidade deixamos de experimentar. Não se trata de alienação, mas encontro entre humano e Divino...

Paulo